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Quando a inadimplência vira uma ameaça ao equilíbrio financeiro, a cobrança garantida em condomínio surge como uma alternativa, mas exige cuidados. Confira
O equilíbrio financeiro é uma das premissas para o sucesso da gestão de um condomínio. E isso depende de alguns fatores, como bom planejamento, previsão orçamentária adequada e o compromisso dos condôminos em manter a cota condominial em dia.
Quando a arrecadação começa a ser inferior ao valor das despesas, a cobrança extrajudicial não surte efeito e a inadimplência vira uma bola de neve a ponto de comprometer o pagamento pontual de contas essenciais, a cobrança garantida em condomínio pode ser uma alternativa temporária (ou não) para colocar a casa em ordem. Mas exige cautelas por parte do síndico na contratação.
O que é e como funciona a cobrança garantida em condomínio
Uma modalidade que vem ganhando força pelo Brasil é a chamada cobrança garantida em condomínio, ou “crédito garantido”. Bastante difundido no Sul do País, segundo o advogado especializado em condomínios Zulmar Koerich, que atua em Santa Catarina, o sistema tem sido visto com bons olhos por parte de gestores de outras regiões também.
Basicamente a dinâmica da cobrança garantida em condomínio funciona assim:
- O condomínio contrata os serviços de uma empresa garantidora.
- A contratada, mensalmente, recebe por parte da administradora do condomínio o relatório das despesas, e emite os boletos sob crédito da garantidora (ou a própria garantidora poderá emiti-los).
- Após um período ajustado entre as partes – que não deve durar mais do que três dias, reforça Koerich -, a empresa garantidora repassará para o condomínio o total da arrecadação aprovada em assembleia, retendo um percentual convencionado pelos serviços prestados.
“Ou seja, primeiramente o valor da contribuição dos condôminos será creditado à conta da garantidora que transferirá ao condomínio a totalidade da receita estimada, cobrindo a inadimplência e retendo o valor de seus honorários”, explica Zulmar Koerich.
- Tendo “coberto” a inadimplência, a empresa de crédito garantido será remunerada pelos honorários convencionados, pagos pelo condomínio como serviço prestado, e também pelo valor das multas, juros e honorários extrajudiciais pagos pelo condômino inadimplente.
Resumo: o condomínio recebe mensalmente da garantidora o valor total da arrecadação prevista, em troca de um honorário por esta prestação de serviço, ficando a cobrança da inadimplência a cargo dela.
Quando um condomínio deve ter cobrança garantida?
Para Roberto Piernikarz, diretor geral da administradora de condomínios BBZ, a garantidora é uma alternativa apenas quando um condomínio:
- não tem controle financeiro
- é incapaz de bancar as contas essenciais, como consumo e fornecedores essenciais
- tem margens altas de inadimplência
“Quando todas as medidas de contenção da inadimplência foram ultrapassadas, sofrendo o condomínio de forma descontrolada a ponto de impedir a realização de obras e melhorias no condomínio, bem como a contratação ou manutenção de serviços, a melhor solução é a contratação de uma empresa de crédito garantido”, opina Zulmar Koerich.
Piernikarz concorda com ele: “A contratação de uma garantidora é a última alternativa para estabilizar a saúde financeira do condomínio. Quanto mais alta a inadimplência, mais alto vai ser o custo da garantidora. Os adimplentes saem prejudicados”, alerta.
Por isso, o condomínio deve fazer um estudo prévio e cuidadoso sobre sua situação financeira, histórico de inadimplência etc antes de decidir pela contratação da empresa.
Síndicos consideram contratar garantidora com inadimplência acima de 8%
Dez dos 20 condomínios em que o síndico profissional Felipe Bonavite atua optaram por ter uma garantidora devido à grande desordem financeira em decorrência da inadimplência mensal recorrente, impactando o fluxo de caixa e comprometendo o pagamento das contas. Para ele, quando a inadimplência supera 11%, é a hora de avaliar a contratação de uma garantidora.
“Comecei a ter que pagar as contas com juros e multa de atraso. Cheguei a ter condomínio com R$ 500 mil de inadimplência acumulada. Todos os meses tinha uma inadimplência nova. É uma bola de neve”, diz o diretor executivo da Bonavite & Carvalho, atua há mais de 12 anos principalmente na Grande São Paulo.
Segundo Bonavite, com a contratação da garantidora, a inadimplência mensal deixa de existir. “Com dinheiro em caixa, não só consigo pagar as contas em dia, como comecei a dar andamento a benfeitorias, como pinturas, troca de piso etc. que estavam paradas devido à falta de dinheiro”, relata.
O condomínio mais crítico da carteira dele, com 400 unidades, estava com 25% de inadimplência e, após 1,5 ano com a garantidora, ficou abaixo de 7%. “O condomínio ficou saudável financeiramente. A garantidora ajuda também a atravessar crises, como a pandemia, em que há maior desemprego.”
O síndico Fabio Quintanilha, da Grande Florianópolis, chegou a avaliar a contratação do serviço de cobrança garantida. A inadimplência no condomínio dele sempre foi bem controlada e não ultrapassava 2%.
“Porém, há um ano, a inadimplência aumentou, chegando a 8%. Alguns condôminos fecharam suas empresas, outros perderam o emprego e tem aqueles cuja receita familiar diminuiu muito. Infelizmente eles escolhem pagar outras contas onde a taxa de juros é maior ao invés de pagar a taxa de condomínio. Por esse motivo considerei avaliar a contratação de uma garantidora”, justifica Quintanilha.
Ele compartilhou o assunto com os conselheiros. A primeira medida foi a contratação do serviço de cobrança extrajudicial. Se não resolver, vai convocar uma assembleia extraordinária para deliberar sobre as propostas de garantidoras.
Qual a taxa que uma garantidora costuma cobrar?
Pode parecer um sonho para o síndico ter em caixa todo mês o valor integral da arrecadação e poder fazer tudo conforme o planejado: do pagamento das contas básicas às benfeitorias. Mas o gestor deve se lembrar que isso implica em uma taxa fixa mensal considerável durante o tempo de vigência do contrato com a garantidora.
Embora a taxa cobrada varie de acordo com o cálculo de risco do condomínio feito pela garantidora, se, por exemplo, a arrecadação for de R$ 100.000,00 e a empresa cobra 5% ao mês, ao final de um ano, o empreendimento terá pago R$ 60.000,00 pelo serviço – é aqui que os adimplentes saem prejudicados na visão de Piernikarz.
O condomínio não vai reaver o custo da prestação de serviços da garantidora. Na simulação citada, os R$ 60.000,00 poderiam ser usados em alguma benfeitoria, como um novo mobiliário e equipamentos para o salão de festas, por exemplo.
“O condomínio também deixa de auferir os rendimentos com as multas e juros daqueles que pagam poucos dias após o vencimento, ou mesmo após curto período de inadimplência”, adiciona Zulmar Koerich.
Sim, a inadimplência é um ativo financeiro do condomínio, por mais esquisito que possa parecer.
“Quando um empreendimento tem uma inadimplência baixa, esta acaba por ser um ativo financeiro porque o condomínio vai receber dos devedores a qualquer momento com reajuste e atualização financeira: 1% juros + 2% correção”, justifica Roberto Piernikarz, diretor da BBZ.
Quais os benefícios para um condomínio em contratar uma garantidora?
O principal benefício para o condomínio que contrata o serviço de cobrança garantida é o ajuste financeiro imediato. “Começa a resolver problemas de forma instantânea. É um crédito que chega em bom momento para equalizar as contas”, diz Roberto Piernikarz, diretor da administradora BBZ.
Outros benefícios:
- segurança financeira para assumir compromissos financeiros
- liquidez: condomínio que vai fazer benfeitorias tem poder de barganha na contratação
- relação mais objetiva de resolução da inadimplência com equipe externa
- preservação da imagem do síndico e do condomínio ao eliminar o desgaste destes perante o condômino que leva a cobrança para o lado pessoal
Guto Germano, sócio diretor da Pontual Garantidora, lista alguns diferenciais que uma empresa garantidora pode oferecer ao atender condomínios:
- flexibilização no parcelamento do acordo: os condomínios devem ter uma régua de cobrança a seguir que estipula um limite no número de parcelas, além de geralmente não ter caixa para suportar um número elevado de parcelas. A garantidora tem liberdade para negociar;
- sistemas tecnológicos avançados: traçam o score do condômino e elementos que ajudam a entender o por que da inadimplência. “Temos o histórico e, por entendê-lo, conseguimos flexibilizar o acordo”, diz Germano;
- cobrança humanizada: atendimento diferenciado por equipe treinada que consegue entender o cenário do condômino – juntamente com as informações do sistema – e adequar o valor da parcela ao bolso do condômino;
- mais opções de pagamento e negociação: o condômino pode pagar via cartão de crédito, por exemplo. “Se o inadimplente pagar à vista, a garantidora pode até conseguir flexibilizar juros e multa.”
“Temos uma psicóloga que atua junto com a equipe de cobrança. Essa formação humana dos funcionários aliada à tecnologia, abordagem assertiva, linguagem e forma correta de falar com o condômino formam o componente do sucesso de recuperação de crédito“, comenta Guto Germano, da Pontual Garantidora.
De acordo com ele, a empresa, que atende 700 condomínios em 9 estados, já foi contratada por empreendimentos com níveis de inadimplência entre 30% e 40% que, após o início da cobrança garantida, reduziu para 10%.
A contratação da garantidora deve ser aprovada em assembleia?
De acordo com o advogado Zulmar Koerich, para a contratação de uma garantidora, não basta a aprovação pela administração e conselho do condomínio.
“A contratação implicará em gastos mensais por um período mínimo de um ano, por isso tal contratação deverá realizar-se por meio de aprovação de assembleia, salvo previsão expressa na convenção autorizando”, esclarece Koerich.
Quem cobra os inadimplentes: o condomínio ou a garantidora?
Guto Germano explica que a cobrança dos inadimplentes do condomínio passa a ser feita pela própria garantidora, que tem autonomia para firmar os acordos.
“A garantidora quer facilitar o pagamento para aqueles que não conseguem dentro da régua do condomínio, não temos interesse em levar o imóvel a leilão. Mas caso vire um processo judicial, escritórios de advocacia parceiros fazem a execução”, relata o sócio diretor da Pontual Garantidora.
O advogado Zulmar Koerich esclarece que a empresa garantidora também se responsabilizará por cobrar os condôminos inadimplentes, não em nome próprio, mas em nome do condomínio.
“Ou seja, o condomínio não transfere a titularidade dos créditos para a empresa garantidora, que continua sendo do empreendimento, sendo este parte ativa nos processos de cobrança eventualmente promovidos”, explica Koerich.
Atenção na escolha da garantidora: 7 pontos antes de contratar
Os especialistas entrevistados apontam sete cuidados que o condomínio deve tomar na hora de escolher a empresa garantidora com a qual firmará contrato:
- Observe a idoneidade financeira da empresa. Verifique o seu capital social. Segundo Zulmar Koerich, a contratada deverá possuir envergadura patrimonial suficiente para garantir a receita pretendida pelo condomínio, não importando o índice de inadimplência suportado pelo condomínio de forma isolada ou contínua durante o período contratado.
- Informe-se sobre o histórico, tempo de mercado e os níveis de respeitabilidade e confiabilidade. “Primeiramente a receita advinda da contribuição dos condôminos será creditada à conta da garantidora para depois ser repassada ao condomínio com o complemento do valor faltante para alcançar o índice garantido”, destaca o advogado.
- Confira se a empresa tem operação aprovada nos órgãos competentes. “O inadimplente pode processar o condomínio por cobranças abusivas de juros”, alerta Roberto Piernikarz.
- Avalie o percentual cobrado do condomínio, a taxa de juros cobrada do inadimplente e as formas e condições de pagamento: “Sabemos que ninguém vira inadimplente porque deseja e nessa hora precisamos praticar a empatia”, lembra o síndico Fabio Quintanilha.
- Verifique quais as formas usadas para se comunicar com os condôminos.
- Cheque a estrutura de atendimento, como a equipe de cobrança atua e se existe reclamações sobre ela.
- Peça referências e converse com clientes já atendidos.
Quais os cuidados com o contrato de prestação de serviço da garantidora?
De acordo com o advogado Zulmar Koerich, o contrato celebrado entre a garantidora e o condomínio poderá se revestir de diferentes cláusulas, de acordo com a empresa contratada e até mesmo a região do País.
“Em Santa Catarina, por exemplo, como o serviço é bastante disseminado e a concorrência entre as empresas é acirrada, os honorários foram sendo reduzidos ao longo dos anos. Hoje há empresas que aplicam a retenção entre 2% e 5% do valor da receita. Há cerca de cinco anos ainda existiam empresas que aplicavam o índice de 6%”, exemplifica Koerich.
Além de negociar bem o valor da taxa, o síndico deve se atentar também a outros pontos:
- A taxa é fixa ou gradativa de acordo com a inadimplência? O advogado comenta que algumas empresas estipulam um escalonamento progressivo. Exemplo: para suprir uma inadimplência de até 30%, o percentual cobrado é de 6%; acima de 30%, o valor dos serviços passa a ser de 7% etc.
- Prazo do recebimento do crédito da garantidora: deve estar alinhado com os vencimentos das contas do condomínio. A Pontual, por exemplo, credita o valor na conta do condomínio 2 dias depois do vencimento do boleto.
- Prazo de vigência contratual: normalmente os contratos dessa natureza têm duração a partir de um ano. O síndico profissional Felipe Bonavite recomenda 2 anos renováveis por mais 2 anos, já que no primeiro ano é que será estabelecida a nova cultura de cobrança e os condôminos vão passar a conhecer o novo serviço.
- Assegurar acesso às informações da inadimplência do condomínio a qualquer momento.
- Incluir cláusula de proteção dos dados dos condôminos (proibir divulgação) em atendimento à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), em vigor desde 18/09/2020.
- Compra do passivo de inadimplência: garantidora ética não pode fazer a compra do passivo. Não assume dívida passada. É da assinatura do contrato em diante. Caso o condomínio tenha a intenção de negociar o passivo, isso deve ser feito com outro tipo de empresa, como factoring, autorizada pelo Banco Central para tal operação financeira. Os especialistas consultados não recomendam esse tipo de negociação porque implicará em deságio muito alto (pode chegar a 30%).
- Atenção à existência de cláusula de rescisão após a inadimplência alcançar determinado índice considerado crítico pela empresa garantidora. Há empresas que garantem somente até um limite.
- Atenção à cláusula que prevê multa rescisória quando do cancelamento do contrato antes do prazo estipulado. Por isso, defina o prazo de duração de forma consciente, com base em estudos e projeção financeira para o novo cenário.
- Multa no encerramento do contrato: cuidado com cláusulas deste tipo. Zulmar Koerich alerta para a existência de empresas com este tipo de prática. “Justificam que devem ser ressarcidas dos valores que se encontram em aberto a título de contribuição condominial inadimplidas e garantidas. É uma forma de ‘obrigar’ o condomínio a manter o contrato vigente”, explica.
Quando o condomínio não tiver mais interesse na continuidade do serviço, o advogado orienta o empreendimento a estabelecer que, ao término do contrato, os valores em aberto seguirão o ciclo normal de cobrança e pertencerão com exclusividade à garantidora.
“O condomínio promoverá todos os atos necessários para a continuidade destas cobranças, como fornecimento de procuração, documentos, presença em audiência etc, mas não haverá reembolso por parte do condomínio“, explica Koerich.
Quando o condomínio deve encerrar o contrato com a garantidora?
Assim que o condomínio ajustar suas finanças, recuperar o controle financeiro e estiver estabilizada, significa que a cobrança garantida cumpriu seu papel. “O condomínio não precisará mais do serviço e o contrato pode ser encerrado”, diz Roberto Piernikarz, da administradora BBZ.
Embora a duração dos contratos varie de acordo com cada empresa ou negociação, a prática de mercado é de 12 meses, podendo ser mantida por mais tempo caso a inadimplência não tenha sido reduzida para o nível almejado.
Com o controle financeiro restabelecido, uma boa alternativa indicada por Zulmar Koerich é a formação de um fundo de contingenciamento voltado para compensar a inadimplência.
“Ao longo de um ano, por exemplo, constitui-se um caixa com a arrecadação de 5% da receita mensal (equivalente à taxa praticada por muitas garantidoras). Ao final do período, o condomínio terá reservas para suportar eventual inadimplência. A grande vantagem desta medida é que o valor gasto pelos condôminos ficará no condomínio”, destaca o advogado.
Fonte: Sindiconet